sábado, 3 de janeiro de 2015

BOJACK HORSEMAN

 Review 1x01: A História de Bojack Horseman, Capítulo Um.



Há tempos sem acompanhar uma boa série animada desde que "Futurama" acabou (pois "Os Simpsons", "Family Guy" e "American Dad", eu só vejo esporadicamente), acabei encontrando essa bizarra, inteligente e cativante Bojack Horseman, uma animação americana criada por Raphael Bob-Waksburg. 

A série é estrelada por Will Arnett, que dubla maravilhosamente o personagem principal Bojack. Mas o elenco de apoio também conta com vozes de Aaron Paul (o inesquecível Jesse, de "Breaking Bad"), Amy Sedaris, Allison Brie, Paul F Tompkins e Minae Noji, além de participações de JK Simmons e Stanley Tucci. A primeira temporada da série estreou em 22 de agosto de 2014, pelo Canal Netflix, e teve 12 episódios.

A história é ambientada em um mundo onde seres humanos e animais antropomórficos vivem lado a lado, focando especificamente na vida decadente de Bojack Horseman, um problemático cavalo que hoje está no ostracismo, mas que nos ano 80 fez um enorme sucesso numa sitcom chamada "Horsin' Around". À partir dessa inusitada e divertida premissa, o episódio de estreia já começa mostrando cenas da famosa série em que Bojack fez sucesso, colocando o espectador na "visão saudosista" do nostálgico protagonista. Pra logo em seguida, sermos arremessados de forma amarga numa entrevista de quinta categoria onde Bojack usa gírias e trocadilhos nonsense querendo criar piadinhas o tempo todo para o entrevistador, que parece não achar graça de nada. É uma introdução perfeita para ficarmos exatamente por dentro da realidade de merda que o cavalo, hoje, está passando. E que suas memórias e lembranças de um tempo em que ele era famoso e feliz, fazem todo o sentido!



Dito isso, vale ressaltar a abertura do desenho que entra imediatamente depois desse prólogo: é uma brincadeira visual com o rosto de Bojack o tempo todo em primeiro plano (com a câmera grudada na cara dele), enquanto vemos os cenários por trás dele mudarem e sua fisionomia acompanhar cada sentimento dos ambientes nos quais ele intercala. Com um solo jazzístico de fundo, a abertura termina "mergulhando" Bojack em sua piscina para logo em seguida, trazê-lo à tona deitado numa boia pegando sol, mas claramente solitário em sua mansão isolada nas colinas de Hollywood. Mais sentimento de ostracismo e falsa imagem do que isso, impossível.


Os personagens coadjuvantes que vão surgindo em cena, são cada vez mais divertidos e complementares à vida artificial e tediosa de Bojack... nenhum deles é gratuito, e fornecem exatamente a força para o humor ácido do desenho. Pinky Penguin, como o nome já diz é um pinguim, e "chefe" de Bojack. Na verdade, ele é um fracassado editor de livros, nerd e sistemático, que está desesperado para erguer a sua empresa depois que a maioria de seus lançamentos faliram. E Pinky torce para que a biografia do cavalo seja um verdadeiro best-seller. O jeito que Pinky entra no escritório, escorregando pelo piso como os pinguins fazem no gelo, é hilário! Uma ótima sacada da animação, já que mesmo que todos os animais sejam antropomórficos, eles não perdem algumas de suas características naturais.


Há também o melhor amigo de Bojack, que é Todd (voz de Aaron Paul), um junkie vagabundo que só pensa em dormir e comer pizzas, mas que divide a moradia com Bojack. Dublado perfeitamente por Aaron Paul, o personagem ganha mais divertimento pelos tons vocais relaxados que Aaron imprime no personagem. Existe uma cena de um flashback onde vemos uns traficantes mexicanos torturando Todd por ter desrespeitado um Cartel de Drogas local; qualquer semelhança com Breaking Bad, será bem vinda!



Mas talvez, a personagem que aparece com mais regularidade e que seja tão irritante quanto excepcional na forma como foi elaborada, é a "Princesa Carolyn", que nada de Princesa tem. A gatinha rosa chamada assim, é na verdade, a Agente de Bojack e a responsável por ainda dar alguma organização ou conselhos ao decadente cavalo. A conversa entre os dois personagens é sempre recheada de alfinetadas, indiretas, medição de ego e conflitos intelectuais... e toda essa tensão é coerentemente nos apresentada, justamente por sabermos que Bojack Horseman e Princesa Carolyn tiveram um caso amoroso no passado. A cena em que mostra como Bojack fugia da simples menção em ter filhos, é muito engraçada! 


O que nos leva ao Senhor Peanutbutter, um cachorro amarelo que é fã de Bojack e força uma amizade com o ex-astro. Mas mal sabe ele, que Bojack o odeia! Principalmente, porque Peanutbutter é hoje, um artista famoso de uma sitcom que imita "Horsin' Around", a série oitentista que Bojack protagonizava. Peanutbutter tem uma personalidade única, pois querendo ser amistoso, agradável e solidário sempre, ele se torna inconveniente e chato toda vez que aparece em frente ao Horseman... e a gente entende perfeitamente o sentimento do rancoroso cavalo, apesar de também rir com o cachorro Peanutbutter.


E finalizando os personagens, eis que surge Diane Nguyen, uma vietnamita (isso mesmo!) que é contratada pela Princesa Carolyn para servir de "Ghostwriter", pois é ela quem irá escrever a biografia de Bojack, mas para isso, ambos precisarão se conhecer melhor. E fica claro que esse conhecimento, renderá mais sentimentos ao cavalo que, certamente, ele queria evitar! O que fica exposto na sequência que é de longe, pra mim, a mais engraçada desse episódio... quando ao final, numa festa que Bojack e Todd dão na mansão, Diane aparece e inicia uma conversa com o cavalo, para logo em seguida, Bojack descobrir que ela está namorando o Senhor Peanutbutter!!! O diálogo de um Bojack surpreso interrogando o casal, culmina num vômito de algodão doce divertidamente ridículo.



O único ponto negativo desse episódio-piloto, ainda é um "ponto negativo" que pode ser facilmente relevado, já que se trata das várias gírias e trocadilhos que Bojack usa, e que claramente, os estadunidenses compreenderão melhor do que nós. 

Contudo, as críticas ao mundo das celebridades e o arremesso na hipocrisia de uma sociedade que vive pelo poder e fama, torna "Bojack Horseman" um sopro de originalidade num universo de desenhos que já estavam se desgastando. Uma dramédia animada que mostra as dificuldades do que seria uma criatura mergulhada em seu próprio conceito deturpado por esse ambiente preconceituoso e egocêntrico, que é o dos artistas sem qualquer noção.


BOJACK HORSEMAN (2014, EUA)
Direção: Joel Moser
Roteiro: Raphael Bob-Waksburg
Vozes: Will Arnett, Aaron Paul, Amy Sedaris, Allison Brie.

CORAÇÕES DE FERRO



Filmes de guerra trazem em sua cartilha três elementos fundamentais: a violência (seja ela física, emocional e psicológica), o patriotismo (seja dos dois lados, e por mais que algumas vezes beire o suicídio) e a tristeza (não só pelo provável destino de cada um dos combatentes, como pela própria natureza da guerra). E Corações de Ferro segue muito bem esses 3 pontos, apesar de cair em clichês que poderiam ter sido facilmente evitados.

Realizado por uma direção muito bem conduzida por David Ayer (dos também eficientes "Marcados para Morrer" e "Os Reis da Rua"), o filme é vigoroso e intenso em vários momentos; quem espera sequências sangrentas e de pedaços de corpos sendo arremessados pelo ar como todo tradicional filme do gênero possui, não irá se arrepender. No entanto, é o roteiro do filme (escrito também por Ayer) que mesmo sendo simplório em sua abordagem, parece caminhar pelos pontos mais previsíveis da trama... temos ali uma missão que não precisava ser suicida, cinco soldados discretamente estereotipados, o jovenzinho inexperiente que se tornará valente, e até aquele momento piegas de se afeiçoar por algum inocente que morrerá logo em seguida. É um roteiro que não ambiciona explorar mais os personagens que, de algum modo, são muito mais interessantes do que a própria história - ainda mais que temos aqui um elenco principal muito bem escolhido.

O filme já começa num plano bonito e instigante, ao mostrar um terreno todo devastado com destroços de combate, mas com um homem vindo tranquilamente num cavalo branco, como algo puro e belo saindo de um recanto lúdico qualquer, para encontrar a violência de um inferno. E não demora muito para esse cavaleiro nazista ser abatido ferozmente por um soldado americano que pula em cima dele como uma besta descontrolada até esfaqueá-lo várias vezes no rosto. Esse soldado americano é Brad Pitt, o protagonista e líder do pelotão que iremos conhecer.



Já nessa introdução, vemos que o sargento Don (Pitt) acabou de perder seu atirador principal, e numa das paradas num acampamento, conhecemos Norman Ellison (o convincente Logan Lerman), o típico soldado bobinho que só foi treinado para uma coisa: datilografar. E fica claro já pro espectador o quanto Norman será o caçulinha desse pelotão; de bom coração, religioso e altamente medroso, todos os soldados em sua volta, o encaram como um bebê saído do berço que caiu com as fraldas no meio daquele pandemônio. Grady Travis (o personagem do ótimo Jon Bernthal) é o que mais se delicia zombando do moleque, assim como o mexicano "Gordo" (personagem do competente Michael Peña). Talvez, o soldado que tenta levar Norman um pouco mais a sério, é Boyd (Shia LaBeouf, numa ótima atuação), afinal, por ser também religioso, ele respeita essa iniciação sangrenta de Norman e sabe que toda essa visão mais eclesiástica do garoto, irá ser abalada durante a missão.


Em primeiro momento, quando vemos todos os cinco no tanque indo por uma estrada de terra, percebemos uma descontração bacana entre eles, que iniciam uma conversa qualquer para quebrar a "tensão" e fazer o novato se sentir em "família"... a atuação dos cinco principais atores contam muito nessa hora, inclusive a de Lerman, que mesmo se sentindo um estranho no ninho, tenta rir de forma tímida e desconsertada.


Mas quando o tanque da frente é atacado por uns jovens soldados alemães escondidos numa floresta, é que vemos mais nitidamente como é o sargento Don. Sendo o líder daquele pelotão e tendo que arriscar a vida pelos soldados que estão ao seu comando, é compreensível que ele seja o personagem mais frio e calculista do grupo, só que suas lições "punitivas" para que Norman encare a realidade em que está vivendo e se torne mais forte, beira um pouco ao sadismo, como fica explicitado na cena quando o comboio deles capturam um inimigo... mesmo dizendo que tem família e já rendido e desesperado, o soldado alemão é colocado de joelhos para ser morto justamente por Norman, que é chamado pelo sargentão Don para executá-lo: numa espécie de "batismo" para transformar o personagem fracote de Norman Ellison. Mesmo com alguns exageros narrativos (como ver Don dar tapas na cara de Norman e forçá-lo a atirar segurando sua mão contra um revolver), a cena é dramaticamente boa, mais pela intensidade na direção de David Ayer.





Outro trecho da narrativa que me soa um tanto inútil, é o momento em que eles chegam numa vila. É até legal acompanharmos o comboio de tanques vendo corpos de civis alemães enforcados com placas humilhantes escritas, numa retaliação do próprio exército nazista... existe até uma cena muito boa de desforra quando eles matam um soldado alemão responsável pelos enforcamentos. Mas é quando Don decide entrar num prédio junto de Norman, que um draminha alongado se faz presente. Eles encontram duas mulheres com medo em suas próprias casas, mas Don as pede pra cozinhar ovos para uma refeição naquele instante, e também meio que "obriga" o quase virgem Norman a levar a filha da dona pro quarto, senão ele mesmo levaria. É o ponto sádico e frio que eu falei do personagem de Pitt... Don não é um líder como Tom Hanks em "O Resgate do Soldado Ryan" que se importa com a moral e a integridade; ele está no meio do inferno e vai aproveitar como pode para tirar proveito de algumas coisas. É quando o restante do seu grupo chega na casa, e o Norman já "aliviou o stress" (se é que me entendem), que uma das cenas mais tolas do filme acontece: todos comendo ovos na mesa - junto das mulheres(!) -, e uma "reprovação" do pelotão à liderança de Don é jogada no ar, com uma história meio nada a ver contada pelo mexicano sobre um acontecimento na África, onde Don teria atirado em todos os cavalos feridos e bla bla bla. Sei que é um momento tenso por não sabermos como aqueles soldados naquela mesa irão proceder exatamente, mas um "estouro" do sargento Don deixa tudo novamente nos seus devidos lugares. Estranho, porque isso não servirá para acrescentar em nada a narrativa... é uma sequência alongada no interior da casa, que só serve para vermos as costas queimadas de Don e a habilidade de pianista de Norman.







Ah, e se eu falei que não serviu pra nada essa sequência alongada, serviu apenas para mostrar que Norman ficou com aquele sentimento de importância na alemãzinha que ele levou pra cama. E por que? Porque justamente assim que todo o pelotão sai do apartamento, uma bomba explode na vila destruindo unicamente o prédio onde as mulheres moravam! Ah, mas é claro: o novato Norman precisava da motivação definitiva para ficar "forte" e se vingar de todos os nazistas! Não será por acaso que ouviremos depois até o fim do filme ele gritar dentro do tanque, várias vezes a frase: "Morram, malditos nazistas!". Essa motivação ao personagem poderia ter sido bem menos piegas.


Daí em diante, depois de receberem a rota final traçada num plano feito por um oficial vivido pelo sempre bom Jason Isaacs, que acontece uma das melhores cenas de confronto: é quando o comboio de Don (que agora só conta com uns três tanques!) se depara com um tanque alemão, visivelmente superior ao dos americanos. Cada disparada do tanque nazista, vai destroçando e matando vários soldados do comboio. Sobrando apenas o tanque de Don. É legal nessa hora, vermos o quanto o personagem de Pitt não liga em fechar a sua escotilha principal, mesmo vendo seus amigos dos tanques ao lado perderem as cabeças (literalmente!). Uma prova da perseverança e da quase obsessão de Don em eliminar seus inimigos. E a atuação de Pitt é essencial nesses momentos! Os tiros dos tanques e mais os das metralhadoras, também são esteticamente bem orquestradas pela direção de Ayer, que parece transformar cada disparo, num show de luzes e efeitos... quase como vermos aqueles lasers disparados das pistolas de Star Wars num campo da 2ª Guerra Mundial.


É chegado o final, quando acidentalmente, o tanque deles passam por cima de uma mina que aciona e arrebenta a esteira das rodas do tanque de guerra. Pra piorar, Norman avista de longe uma tropa com uns trezentos soldados alemães caminhando bem na direção deles. Marchando e cantando como verdadeiros soldados prontos para irem ao inferno e arrancar a cabeça do capeta. Confesso que nessa hora, até eu tive medo! Mas aí, surge mais um ponto clichê do roteiro que é de mostrar que o sargento Don, líder corajoso e imponente do pelotão, não se renderia assim tão fácil aos nazistas; nem que fosse pra fugir com seus amigos e se abrigarem numa árvore até a tropa inimiga passar. Não, nada disso! Don, bravamente (ou, suicidamente, como queiram) prefere ficar num tanque que não anda mais, com munição limitada para enfrentar sozinho os trezentos nazistas armados que marcham até ele. Pois quando toma essa kamikaze decisão, ele diz para o restante do seu grupo ir pra árvore ficarem lá escondidos... mas eis que o roteiro de Ayer, para reforçar ainda mais o senso patriota, de valentia, bravura e transformação do novato Norman, faz com que ele seja o primeiro (sim, eu disse o primeiro!) a permanecer no tanque destruído junto de seu líder. Nesse ponto, aos olhos incrédulos e chorosos de todos os outros, a opção era aceitável, uma vez que a união sempre os manteve seguros.



Mas não é mais o que acontece. Depois de uma rápida menção à trechos bíblicos, ditos pelo personagem de Shya LaBeouf, que eleva 1% o ânimo da galera, Grady (Jon Bernthal) é o primeiro a levar fogo, e morre agonizando com o choro de fato emocionante de LaBeouf. Cercados por vários soldados alemães, o tiroteio que acontece é incessante, e é até empolgante vermos o quanto de nazistas o tanque furioso de Don, ainda consegue mandar pro espaço! Depois que a munição de todos estão no limite, eles decidem repor saindo do tanque e pegando as armas externas... é quando Gordo (Michael Peña) leva a pior e toma uns tiros, deixando uma de suas próprias granadas caírem dentro do tanque. Vendo que o artefato estava prestes a explodir, Gordo então faz talvez o ato mais heroico até ali: se joga em cima da granada para abafar sua explosão e salvar seus amigos.



Mas, não adianta muito... depois de terem que sair mais uma vez do tanque para reporem armas e munição, Boyd (LaBeouf) e o sargento Don são alvejados por um sniper que se rasteja como cobra, ali perto. Boyd cai morto sem reação alguma, mas Don ainda resiste com alguns tiros tomados no peito e no braço, e consegue voltar para dentro do tanque. Sem mais escapatória, o sargento sabe que é uma questão de alguns minutos para todo o seu pelotão ser exterminado. Mas, ele ainda dá a dica para que Norman consiga sair por uma escotilha que existe debaixo do tanque. E é por ali mesmo, que o novato borra-botas consegue se safar! Don morre com um morteiro jogado dentro do tanque, e Norman fica coberto de lama escondido como um ratinho até os soldados alemães irem embora... mas eis que surge um jovem nazistinha que, com uma lanterna iluminando a parte de baixo do tanque, avista o amedrontado Norman, que sem muito o que fazer, só ergue as mãos e faz aquela cara de "por favor, não me mata!". E, para a minha maior surpresa, o nazistinha de fato, não o mata!!! E é onde ficou a grande pergunta batendo na minha cabeça: quem eram realmente os mais maus? Os americanos que, mataram até mesmo um alemão rendido e que mostrava as fotos da família? Ou os alemães que, ao encontrar um soldado debaixo de um tanque, decide poupá-lo?


A resposta, pra mim, estava na primeira cena do filme: onde aquele alemão num cavalo branco é derrubado por um violento sargento que o rasga a cara.




CORAÇÕES DE FERRO (Fury, 2014 - EUA)
Direção: David Ayer
Roteiro: David Ayer
Elenco: Brad Pitt, Logan Lerman, Shya LaBeouf, Jon Bernthal, Michael Peña, Jason Isaacs.